- Jessica Almeida
- 13 de agosto de 2024, às 12:40
As metáforas do fosso e da catraca e como isso explica uma nova visão dos modelos de negócios
Em 1964, o jovem e talentoso Bob Dylan já anunciava em suas canções as transformações dos novos tempos em “The times they are a-changin” (ouça aqui) e, de lá para cá, muita coisa, de fato, mudou. Dentre os múltiplos turbilhões econômicos, sociais, políticos e culturais que arrebataram o mundo na segunda metade do século XX e início do XXI, sobretudo o ecossistema dos negócios não pode passar incólume.
Inclusive, ao longo dos anos, conforme acompanhávamos as notícias empresariais, pudemos perceber o surgimento de vários destes ecossistemas, uma vez que as organizações iam se posicionando em suas diretrizes como fortalecedoras deste ou daquele. Mas, afinal, do que é que elas estavam falando?
A palavra ecossistema veio emprestada das ciências naturais, especificamente da ecologia, sendo “o nome dado a um conjunto de comunidades que vivem em um determinado local e interagem entre si e com o meio ambiente, constituindo um sistema estável, equilibrado e autossuficiente” (fonte: Brasil Escola). Encontrado em diversas escalas, nele todos os seres dependem uns dos outros, sendo divididos, principalmente, em produtores e consumidores. Lembra algo?
Basicamente, as palavras-chaves de um ecossistema são interligação, troca e equilíbrio, ficando fácil, assim, perceber o porquê dela compor, tão ativamente, o vocabulário empresarial. No entanto, é fundamental que percebamos as duas aplicações do termo, sob uma perspectiva mais tradicional e outra, mais atual.
Para facilitar a compreensão, neste momento tenha em mente a metáfora de um fosso e de uma catraca (tenha paciência, em breve as coisas farão sentido), sendo o primeiro um profundo buraco, com função de impedir, restringir o acesso ao recurso, enquanto o segundo um dispositivo com função de selecionar, monitorar o acesso ao mesmo. Pois bem, o fosso está ligado ao modelo de negócios das organizações tradicionais, já a catraca é o modelo das organizações atuais.
Bem, entre o tradicional e o atual está toda a sorte das mudanças cantadas por Dylan, mas as diferenças ainda não acabaram. Se, no primeiro exemplo, vantagem competitiva é encontrar um setor com altas barreiras de entrada para a concorrência e ter um produto diferenciado o suficiente, de difícil imitação, que retire o poder de barganha do cliente, no segundo a vantagem se configura na medida em que a empresa, produto ou serviço nutre o ecossistema do qual ela faz parte.
E isso só é possível devido à características destas empresas. Logo, pare e pense: o que empresas como Tencent, Google, Amazon e WeWork tem em comum? Elas tiveram um crescimento rápido, não produzindo o que vendem, mas existindo para vincular outras pessoas, fomentando o relacionamento dos clientes em suas redes e usando isto em favor do negócio. Aposto que você lembrou de inúmeros outros casos semelhantes, certo? Garanto que eles não possuem mais do que 15 anos de existência, dada a contemporaneidade deste modelo.
Ou seja, o valor mudou do bem físico, a isca que captura todo o segmento de clientes e repele a concorrência, para o agregacional, “hubs” que gerenciam o fluxo de pessoas conforme as atraí de maneira orgânica para uma comunidade, com regras definidas à priori. É a mudança de um paradigma de escassez, o fosso, estático, pautado na barreira de defesa do principal ativo da empresa e controle da concorrência, para o paradigma de abundância, a catraca, mais dinâmico, que é permeável e favorece o diálogo com os participantes do mercado.
As 4 práticas básicas para uma estratégia baseada em ecossistema de “catraca”
Com isso em mente, a seguir estão disponíveis 4 práticas de uma estratégia baseada na criação de um ecossistema, para fortalecer os pontos aqui abordados:
Questione: Você está oferecendo uma experiência de usabilidade agradável? A experiência do usuário é fluida ou conta com excessivas interrupções? Caso as respostas sejam negativas, é possível que seu cliente o troque por concorrentes, dada a qualidade das experiências ofertadas.
Questione: O quanto você confia no benefício que entrega ao seu cliente? Ele está “preso” a você (via contrato, por exemplo) ou faz negócio com sua marca pois reconhece que também ganha com isso? Neste caso, respostas mais negativas colocam sua proposta de valor em “xeque”.
Questione: O quanto debato com meus concorrentes? O quanto contribuo para as decisões que impactam nos setores em que atuo? Nesse sentido, dialogar com os concorrentes pode fortalecer a posição de influenciador da comunidade.
Questione: Como estou mapeando a jornada do meu negócio? Quais os dados a que deve me ater para analisar performances e obter, assim, insights? A pesquisa é uma importante aliada na transformação de dados dispersos em informações cruciais.
Por que mudar? Novos caminhos pedem novas regras
Claro, isso tudo só faz sentido se as empresas se planejarem estrategicamente para a mudança. Em outras palavras, os investimentos neste tipo de ecossistema, considerado mais “aberto”, precisam fazer sentido dentro de um escopo de trabalho que considera outros tipos de ações e resultados, precisando, para tanto, de preparação para a mudança.
Em linhas gerais, pode não ser para todos os empresários, uma vez que inúmeros serão os percalços da mudança almejada: leis defasadas, falta de referências, lucratividade não garantida. Contudo, notadamente os novos hábitos dos consumidores e comportamentos dos “players” apontam mudanças no mundo, as quais a própria história mostra que é impossível lutar contra.
Logo, ainda que neste cenário de incertezas, esse novo caminho estratégico de criação de ecossistema do tipo “catraca” é uma realidade cujas regras estão se criando. Então é melhor “surfar essa onda”, participando do mercado ativamente, do que ser inundado por um “tsunami”, sofrendo suas influências passivamente, o que acha?
fonte: clube de empresários